sexta-feira, 1 de julho de 2011

FILHOS, PRA QUÊ?

Antes de engravidar “de verdade”, o casal passa por todo um processo de se imaginar tendo um filho: como seria ele, se gostaria de tê-lo já ou somente mais tarde, o que se espera como pais, o que um filho representaria para sua vida. Nem sempre tudo isto é muito claramente pensado e discutido dentro de si mesmo ou sequer muito conversado entre o casal. Mas, de qualquer forma, este processo existe e é muito importante. É deste modo que podemos dizer que o relacionamento entre os pais e o bebê começa muito antes do nascimento, até mesmo muito antes da fecundação.
Não seria de forma alguma um exagero afirmar que o relacionamento pais-filho na realidade começou na própria infância dos adultos que hoje pensam em ter um filho “de verdade”: a menininha empinando a barriga e dizendo que tem um neném lá dentro; os meninos e as meninas brincando de papai e mamãe, brincando de trocar fraldas, de dar comidinha e banho nas bonecas; depois, adolescentes, olhando com uma ponta de inveja para as mulheres passeando com seus nenéns e se imaginando na mesma situação; ou mesmo quando, aborrecidos com restrições que seus pais lhes impõem, juram para si que quando tiverem seus próprios filhos irão criá-los de maneira totalmente diferente; e também quando um casal de adolescentes, apaixonado, fica imaginando como será o filho que gostaria de ter. Nestas inúmeras situações, ao longo da vida, já se forma potencialmente a ligação com o filho.
Às vezes, o filho vem no momento que quisemos, planejamos, pensamos. Outras vezes, vem de surpresa, quando menos esperamos apesar de todas as preocupações cuidadosamente tomadas para evitar a concepção. Em outros casos, a gente diz que não quer mas sutilmente sabota a anticoncepção:  esquece de tomar a pílula, de colocar a camisinha-de-vênus, o diafragma ou erra nos cálculos da tabela. Em outras situações, queremos e não queremos quase com a mesma intensidade e deixamos a gravidez simplesmente “acontecer”. Às vezes, a gravidez ocorre fora do contexto homem-mulher estável, aumentando a indecisão na medida em que a mulher se sente insegura e sozinha para arcar com a responsabilidade total ou quase total de ter um filho.
A indecisão, em geral, é tanto maior quanto mais complexa e diversificada na nossa vida; quando estamos envolvidos em outras atividades ou interesses, quando sentimos que há outras coisas importantes, quando questionamos se, de fato, o principal objetivo de nossa existência  é a procriação. A indecisão também aumenta quando nos recusamos a ter um filho principalmente para atender as pressões sociais e familiares, segundo os quais todo casal deve ter filhos, mas esperamos sentir quando chega o momento de acolher, no interior do nosso ser, o milagre da vida.
Um filho pode representar muitas coisas para nós e são inúmeros os motivos pelos quais queremos que ele venha. O filho pode trazer a promessa de dar continuidade à existência dos pais; pode ser uma oportunidade de aprofundar, enriquecer e dar novos significados ao vinculo do casal, assim como pode trazer o risco de rompimentos maior desencontro no relacionamento conjugal, especialmente quando o que se busca é a esperança de solidificar algo já frágil e precário; às vezes, esperamos que o filho possa realizar, quando crescer, desejo e aspirações que não conseguimos satisfazer para nós mesmo; ou necessitamos dele para preencher lacunas de nossa própria vida/ para nos fazer companhia e, portanto, nos ajudar a evitar o sentimento de solidão; por vezes o sentimos medo  de que o filho venha para nos atrapalhar, impedir uma série de coisas, atuar como obstáculos a muito de nossos projetos; às vezes o que o desejamos para que seja o nosso espelho, a nossa própria  imagem ou aquilo que queremos que ele seja.
Ter um filho pode representar nosso desejo de seguir os padrões segundo os quais todos casais precisam, depois de um certo tempo, procriar, entre outras coisas, para que o homem a mulher possam dar “provas” de que estão funcionando adequadamente. Há tempos, ter um filho era essencial e indispensável nas famílias nobres , tradicionais ou ricas, onde a questão de descendência ou herança ficava em primeiro plano; ou, por outro lado, especialmente nos meios rurais,  o filho trazia vantagem econômica, pois representava mão-de-obra e aumento da produção. Assim como podemos criar toda uma série de expectativas em relação ao filho, com freqüência criamos, também, um ideal a respeito de nós mesmos como pai e como mãe. Por vezes, exigimos demais de nós mesmos, no sentido de não falhar nem errar para poder criar um filho perfeito; pretendemos que    tudo aconteça de maneira impecável: a gravidez maravilhosa, o parto ideal, o bebê que nunca reclama, a criança obediente e que não dá problema de espécie alguma. Precisamos ter um filho “perfeito” para nos valorizarmos como pais; qualquer coisa fora deste esquema é sentida como falha ou fracasso, como algo que não poderia ter acontecido. Outras vezes, pretendemos ser totalmente diferentes de nossos próprios pais, e tentamos compensar com o filho tudo aquilo que sentimos como errado em nossa criação, ou dar a ele todas aquelas coisas que não recebemos. Por outro lado, às vezes, achamos que porque a maneira em que fomos educados deu certo teremos de repetir literalmente tudo o que nossos pais fizeram.
Em suma, de forma mais ou menos sutil, não admitimos que o filho que está por vir possa ser muito diferente do que gostaríamos que fosse, não somente deixamos pouco lugar para sua individualidade ou singularidade como também limitamos nossa criatividade como pais e a liberdade de sentir o que é melhor ou mais adequado a cada momento da relação.
Ter um filho e acompanhar seu crescimento é um processo profundamente criativo, enriquecedor e renovador, desde que não se abafe este potencial com a busca de “receitas”, modelos ou ideais a serem seguidos à risca.

Um comentário:

  1. Jussara, o seu blog é lindo... Completo... e de uma pessoa de sucesso... Parabéns!
    Bjos...

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